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21/12/2021 às 00h59min - Atualizada em 21/12/2021 às 00h59min

Tempos de retrocessos na saúde mental.

Homenagens e financiamentos às práticas manicomiais.

Tereza Tenório TRAVESSIA: Cidades que promovam Saú

Tereza Tenório TRAVESSIA: Cidades que promovam Saúde Mental.

TRAVESSIA: Cidades que promovam Saúde Mental.

Tereza Cristina
Horda de incompetentes! “Gritou” em sua coluna dominical o médico Ronald Mendonça sobre os profissionais não médicos que atuam na saúde mental. Terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogos... todos que na visão estreita do inominável não tinham capacidade para cuidar das pessoas em sofrimento mental, muito menos de conduzir a política de saúde mental na cidade. Estava revoltado porque a gestão municipal da saúde na época, finalmente tomou a decisão assertiva de implantar as residências terapêuticas e acolher as pessoas que residiam no Hospital Psiquiátrico José Lopes, fazendo assim o cumprimento da Lei 10.216/2001 e das portarias ministeriais 106/2000 e 3.090/2011, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde e da Declaração Universal de Direitos Humanos, nas quais o Brasil é signatário. Essa atitude da gestão permitiu que 70 pessoas tivessem condições dignas de um cuidado em liberdade e não atendeu os desejos manicomiais dos hospitais psiquiátricos de receberem injeções de recursos. A gestão decidiu investir na Rede de Atenção Psicossocial, nas pessoas em sofrimento mental e não nos manicômios ou nas famílias ilustres. Diga-se de passagem que, com muito orgulho, eu fazia parte dessa gestão, compondo a tal horda. A essa infeliz citação, encabeçados pelo histórico ativista da saúde mental, José Felix Vilanova Barros, os Conselhos de Classe aliaram-se e entraram com representações jurídicas exigindo-lhe a devida reparação. Até aí tudo bem, digamos assim, se não fossemos surpreendidos atualmente pela indicação do Conselho Estadual de Saúde do nome do digníssimo Ronald Mendonça para receber o título de honraria pelo seu trabalho na contribuição da efetivação da política de saúde mental e do SUS em Alagoas na V Conferência de Saúde Mental. E pior, intitulam a Conferencia de José Felix. Permitam-me, com todo respeito, a esse ativista que eu admirava, dizer que lá, de onde ele estiver, ele está indignado. Nas minha viagens mentais visualizo o Felix conduzindo o Conselho Regional dos Anjos Celestiais ou o Sindicato dos Trabalhadores do Nosso Lar, chegando atrasado nas reuniões, inquieto com tal honraria. Desprezaria o título em repudio? No mesmo dia da indicação fui impactada com as mensagens que recebi da colega militante, aguerrida e uma das homenageadas, indignada tanto quanto eu. Pense na revolta! Parece que com os últimos acontecimentos na saúde mental do Brasil e em nossa cidade vivemos revoltadas cotidianamente. Já dizia Nise da Silveira: “É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”. Acho que já ando de olhos arregalados, espantada e indignada por natureza e sempre em estado de alerta. E, tento, com essa coluna, contagiar algum desavisado. No entanto, nossa saúde mental também pede socorro! Não há um dia de paz para nós, profissionais e ativistas pela saúde mental antimanicomial, nesses dias atuais de conservadorismo e ataques à reforma psiquiátrica. É financiamento de Comunidades Terapêuticas! É honraria a dono de manicômio! É usuário e família que nos procuram diariamente pedindo auxilio! É eletrochoque para tratar autismo!!! E toda essa revolta me fez fazer algumas reflexões, pra variar. Ao longo de décadas de lutas, de serviços comunitários resistentes o que nos falta para avançar na ampliação e efetivação da política antimanicomial em nossa cidade? Onde estamos falhando? Como uma tropa de profissionais competentes imbuídos de teorias e técnicas de cuidado em liberdade podem ser tão atacados e ainda homenagear o algoz? (Abro parênteses para dizer que não generalizo, mas penso que se não há dolo, há culpa em algum momento, em alguma situação) O que nos falta? Será a falta de investimentos dos gestores? A falta de serviços nessa rede cheia de buracos e punhos com poucos cordões? As nossas práticas? Nossa inabilidade política? Nossas estratégias de notas e repúdios sem impactos no cotidiano? A ausência de protagonismo das pessoas usuárias dos serviços? O desespero das famílias? O medo da morte dos usuários? Falta sangue nos olhos para pegar esses títulos e enviá-los ao devido lugar de merecimento? Ou o nosso orgulho por tal merecimento alimenta nosso marasmo histórico? Porque para mim, temos uma parcela de corresponsabilidade, apesar de todas as nossas lutas! Me reconheço nesse processo, inclusive quando deleguei ao inimigo a possibilidade de atuar e intervir na saúde mental, enganada com o sorriso branco do parceiro amigo. Penso que fechar os olhos para nossas falhas e feridas não trará os resultados que idealizamos. Começo por mim, futucando as feridas, reconhecendo as mazelas para transformá-las em combustível, tão necessário nessa travessia de caminhos tortuosos. A travessia para uma cidade que promova saúde mental é cheia de armadilhas ao longo de mais de 30 anos de luta antimanicomial e, muitas vezes, custa-nos muito caro. Precisamos ficar atentos, pois os inimigos estão nos serviços, nas gestões, nos espaços de poder, nas indústrias farmacêuticas, nos conselhos de classes e espaços democráticos... A família desorientada e sofrida pode ser um inimigo da luta antimanicomial. Os usuários que pedem socorro e não encontram acolhida nos serviços endossam os pedidos por serviços manicomiais. E nesse ponto quero ir finalizando, pois penso que são as famílias e os usuários que não podem ser combatidos como inimigos, mas acolhidos em seus sofrimentos para que tenham suas dores resignificadas em protagonismo pela luta por serviços comunitários e pelo cuidado em liberdade. A travessia implica em fechamentos de hospitais psiquiátricos, ampliação da rede de atenção psicossocial e protagonismo dos usuários e familiares. E apesar de todas nossas dificuldades, não somos nós, parte de uma horda de incompetentes. Fomos extremamente competentes para fechar o hospital psiquiátrico José Lopes e salvaguardar 70 pessoas em Residências Terapêuticas. Aos meus amigos indicados à homenagem, meu respeito e carinho. Mas, hoje, quem “grita” sou eu: Ronald Mendonça, sua coluna nos afrontando e sua atuação à frente do histórico hospital psiquiátrico José Lopes não te dão o merecimento desse título.
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