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10/12/2021 às 08h50min - Atualizada em 10/12/2021 às 08h50min

O descaso com o sofrimento mental de crianças e adolescentes.

O solitário Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil.

Tereza Tenório TRAVESSIA: Cidades que promovam Saú

Tereza Tenório TRAVESSIA: Cidades que promovam Saúde Mental.

TRAVESSIA: Cidades que promovam Saúde Mental.

Tereza Cristina
Minha amiga cansou, combateu o bom combate ao longo de décadas como assistente social no CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil. Sentiu que chegou ao seu limite, precisou fazer outros voos pela sua saúde mental. Sua amiga de serviço e de atividades diz entristecida que a entende. É dureza trabalhar por vários anos no único serviço da Atenção Psicossocial de Alagoas voltado para crianças e adolescentes. Entra gestão, sai gestão. Passam-se anos. O Ministério Público pressiona com um bela Ação Civil Pública (ACP) na tentativa que o município amenize décadas de negligencia com a saúde infanto-juvenil, mas pouca coisa avança. Vamos de passinho pra frente; passinho pra trás. E o CAPSi continua sendo o único serviço para crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Os números de crianças e adolescentes em sofrimento mental avançam a passos largos e rápidos. Nossos adolescentes estão se mutilando; tatuando perversamente seus corpos pedindo socorro à família, aos amigos e aos governantes. As famílias não conseguem compreender e nem sempre conseguem encontrar apoio profissional nos poucos serviços existentes. Os amigos? Estão sofrendo também, muitos se afundando em drogas: cervejas amplamente divulgadas, vodcas coloridas, narguilés, pós misturados com pó de gesso, maconhas batizadas e outras substâncias. Outros estão esculpindo os corpos e exibindo no universo insano das redes sociais. Outros estão isolados em seus quartos e em seus mundos... Enquanto os governantes seguem inertes, alheios a urgente necessidade de ampliar a rede de atenção psicossocial infanto-juvenil. Parece que nem o peso das multas diárias pelo descumprimento da ACP incomodam. É triste fazer essas reflexões. O suicídio é a segunda principal causa de morte na faixa etária de 15 a 29 anos, com uma tendência crescente observada entre os adolescentes. Segundo o Instituto de Pesquisa de Psiquiatria da USP, estudo com 7 mil crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, apontou que 26% apresentam sintomas clínicos de depressão e ansiedade. Os dados comportamentais também são preocupantes: 23% dos jovens dormem depois de uma hora da manhã, 13% afirmam se sentir solitários e 48% são sedentários e 37% afirmam não ter uma rotina definida. De acordo com os números da Associação Psiquiátrica Internacional para Infância e Adolescência (IACAPAP) em 2019, a depressão afeta, anualmente, cerca de 2,6 milhões de jovens de 6 a 17 anos. Aproximadamente 35% dos jovens deprimidos tentarão suicídio e até 80% deles chegam ao menos a experimentar pensamentos suicidas. Mais de 90% dos adolescentes que cometem suicídio apresentam transtornos psiquiátricos. Enquanto isso, estudos do Ministério da Saúde comprovam que nas cidades que tem CAPS reduz-se o número de suicídios em 14% e a legislação indica que para cada 150 mil habitantes deveria existir um CAPSi no município. Fazem algumas alterações nas portarias, mas qualquer que seja a proporção entre população e quantidade de serviços, em nossa cidade parece uma utopia ter CAPSi em quantidade suficiente para acolher as demandas. Maceió tem apenas um serviço para uma população de mais de um milhão de pessoas, apesar das inúmeras conferencias de saúde, reuniões de conselhos gestores, audiências públicas e outras instâncias democráticas assinalarem a necessidade imperiosa de, pelo menos, um CAPSi por Distrito Sanitário, ou seja oito em Maceió. Assim, a colega, que ao longo dos anos protagonizou a luta pela mobilização de usuários e familiares nesses espaços democráticos, cansa, sente-se impotente para mudar essa realidade. Eu também a entendo e me solidarizo. Que linda Maceió é essa que é incapaz de ampliar seus serviços de saúde mental infanto-juvenil? Promove saúde mental? Ou adoece a todos que precisam? Infelizmente, adoecemos todos: o adolescente que não conseguiu acesso ao serviço; a criança da família não tem recursos para pagar o transporte e se deslocar dos bairros distantes até chegar ao CAPSi; as mães sentindo-se impotente diante do sofrimento dos seus filhos; o profissional que jurou garantir direitos e promover uma assistência de qualidade nos serviços. Passou da hora dos gestores realizarem uma grande força tarefa para ampliar a rede de Atenção Psicossocial infanto-juvenil. Não me venham com proposta para ampliar comunidades acolhedoras e segregar crianças e adolescentes, colocá-las pra fazer origamis com papel, horta e ler a Bíblia! Nem me venham com proposta de credenciar clinicas de internação para crianças e adolescentes para que esses sejam medicados e isolados! Também não venham com medicamentos e mais medicamentos construindo uma horda de jovens dopados. Precisamos de CAPSi que funcione 24 horas, que acolha e promova atividades no território; que articule as políticas públicas para ampliar o cuidado. Crianças e adolescentes precisam de educação, arte, cultura, esporte, acolhida, cuidado, respeito. Crianças e adolescentes são movimento. E movimento é o que precisamos que os nossos políticos e gestores façam para ampliar a rede de atenção psicossocial infanto-juvenil. Caso contrário, essa cidade não promove saúde mental e suas belas paisagens esconderão corpos mutilados, jovens desaparecidos, vidas perdidas. Essa travessia parece bem difícil. Sair da condição de uma cidade que negligencia o cuidado em saúde mental de suas crianças e adolescentes para uma cidade que promove saúde mental. Mas não é impossível.
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