RIO - “Como é linda”, disse dona Dida, proprietária do Dida Bar, ao ver Marielle Franco se aproximar vestindo macacão verde, amarelo e laranja. Como sempre, a vereadora chamava atenção por uma combinação de beleza, inteligência e pelo carisma que a fazia ter amigos na cidade toda, do Complexo da Maré, onde cresceu, aos bairros da Zona Sul, onde recebeu sua votação mais expressiva. Marielle entregou à convidada, no plenário da Câmara dos Vereadores, a medalha Chiquinha Gonzaga, uma das maiores honrarias do município. Enquanto discursava, um colega a interrompeu para lhe entregar uma rosa. “Homem fazendo homice”, disse com firmeza, como estava acostumada, mas sem perder o sorriso.
Era quinta-feira, Dia Internacional da Mulher. Mais cedo, ela havia participado de um debate na Fundação Oswaldo Cruz. Depois da concessão da medalha, foi a um encontro de mulheres no Complexo de Manguinhos. Ao voltar para casa, em uma vila na Tijuca, passou em frente ao Primos Bar, a poucos metros da vila, e acenou de longe para o garçom André Meirelles, de 38 anos.
— Ela só mandou um beijo de longe, mas toda semana parava depois do trabalho para beber uma cerveja. Aos sábados, adorava nossa costela no bafo, vinha sempre com a namorada e com a filha — conta André, chorando. — Quando soube da notícia, não consegui dormir. Ela era muito humilde, bebia com os outros clientes, conversava com todos. Vou embora dessa cidade, não aguento mais — afirma o homem, decidido a alugar sua casa na Rocinha e seguir o caminho da esposa e dos dois filhos: voltar para a Paraíba.
REMOÇÃO DE MORADORA FOI A GOTA D'ÁGUA
“A Maré chora, o Rio chora, o Brasil inteiro chora”, disse a irmã mais nova da vereadora, Anielle Silva, ontem à tarde, no Instituto Médico Legal. Cria da Maré e ex-aluna da PUC-Rio, onde estudou Ciências Sociais, Marielle já era, em seu primeiro mandato, um ponto de encontro numa cidade partida. Eleita com impressionantes 46 mil votos — quinta vereadora mais votada do Rio —, teve mais eleitores em bairros como Ipanema e Jardim Botânico do que na Maré. Tinha a eloquência dos mareenses, como os moradores da Maré gostam de ser chamados, e o preparo que os estudos lhe deram. Passou no vestibular da PUC-Rio com boa nota, após estudar no curso pré-vestibular do Ceasm — uma das ONGs mais antigas da Maré —, e conseguiu bolsa integral.
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Depois, conquistou o título de mestra em Administração Pública na UFF. Nunca sonhou seguir carreira política, por isso não foi fácil convencê-la a se candidatar à Câmara, embora ela tenha trabalhado como assessora parlamentar do deputado estadual Marcelo Freixo por quase uma década. A decisão de entrar no jogo foi tomada apenas em 8 de março de 2016, a sete meses da eleição. Foi nesse dia que as autoridades derrubaram a casa de Dona Penha, antiga moradora da Vila Autódromo, como parte das remoções que expulsaram à força os moradores daquela e de outras favelas. Marielle estava no local. Para ela, foi a gota d’água.
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Orientador de Marielle em sua monografia (sobre as UPPs), o professor da PUC-Rio Ricardo Ismael confirma que ela nunca quis ser política.
— Quando ela já trabalhava com o Freixo, eu lhe disse: “você vai entrar na política”. Ela respondeu: “de jeito nenhum, quero ser pesquisadora”. Mas passou a conhecer muito bem o trabalho parlamentar. Saiu candidatava porque o partido apostava muito nela — afirma o professor de Sociologia. — Foi na PUC que a liderança dela começou. Era algo natural, porque ela tinha luz própria, carisma, que fazia as pessoas a seguirem. Sempre teve destaque. Ao fim do curso, participou da comissão de formatura. Sua maior preocupação era adquirir uma formação intelectual sólida.