Mangueira e Tuiuti mobilizam público com crítica política e social - MAURO PIMENTEL / AFP
O Sambódromo vibrou com a comissão de frente da Tuiuti. Fantasiados de escravos, bailarinos conseguiam romper as correntes dos braços depois de serem castigados por um feitor. A cena arrancou aplausos. Em seguida, veio o abre-alas majestoso e gigantesco. A escola deixou para o fim a alfinetada no presidente Michel Temer. Um integrante veio vestido de vampiro com uma faixa presidencial. Ao lado dele, estavam componentes fantasiados de empresários. O “presidente vampiro”, representado pelo professor de história Léo Moraes, de 40 anos, torcia pela comoção das arquibancadas:RIO — O primeiro dia de desfiles revelou uma Sapucaí bem engajada. Das sete escolas que cruzaram a Avenida, duas conquistaram as arquibancadas com enredos de sátiras políticas e críticas sociais: as vizinhas Mangueira e Paraíso do Tuiuti. Enquanto a verde e rosa foi mais explícita ao citar o prefeito Marcelo Crivella, que cortou verba para o Grupo Especial este ano, a Tuiuti evitou dar nome aos bois, o que não a impediu de levar para a Avenida a crônica mais ácida da noite, entre outras coisas, colocando em dúvida até se a escravidão, de fato, foi abolida com a Lei Áurea. As escolas não só cativaram o público, mas provocaram reações mais fortes, e nem tão comuns ao Sambódromo, como vaias e xingamentos contra políticos.
— É uma retomada dessa manifestação popular tão importante — exultava.
Ala com referências aos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff - Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Uma ala, a “manifestoches”, misturou referências ao criticar os protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Estavam ali o pato da Fiesp, os panelaços e as blusas da seleção brasileira, tudo na mesma fantasia. Cada folião carregava a alegoria de uma mão que simulava uma marionete. Outra ala foi a dedicada à reforma trabalhista, com gente vestida de CLT.
Mas Crivella também foi lembrado no desfile. Logo no início, os intérpretes sobre o carro de som agradeceram o apoio da prefeitura, e essa foi uma senha para as vaias começarem. Para o diretor de carnaval da Tuiuti, Rodrigo Soares, o enredo atendeu às necessidades da escola e do público:
— A ideia da escola era contar um enredo que mexia com o povo e com o íntimo de cada um. Acho que esse tema tocou lá no fundo.
CRISTO ENVOLTO EM SALCO PRETO
A Mangueira levou para o Sambódromo o valor do carnaval, sem as amarras do dinheiro. O “esquenta” da bateria, com músicos vestidos de bate-bolas, foi com marchinhas de carnaval. Mas a apresentação seria bem mais crítica. No quarto carro alegórico, sobre os blocos de rua, um folião segurava um Cristo coberto com saco preto, igual ao que a Beija-Flor eternizou em 1989. Só que a faixa sobre a estátua tinha outra frase: “Olhai por nós, o prefeito não sabe o que faz”.
Mangueira fez crítica ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella - Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Outra alusão a Crivella foi um boneco com uma corda no pescoço, o rosto do prefeito e a placa “Pega no Ganzá”, referência às promessas frustradas feitas aos sambistas durante a campanha eleitoral de 2016. A mesma alegoria trazia a inscrição “Prefeito, pecado é não brincar o carnaval”. A comissão de frente da verde e rosa, por sua vez, levou mesas que viravam grades, simbolizando o cerceamento à liberdade do povo. O carnavalesco da Estação Primeira, Leandro Vieira, considerou o desfile uma “afirmação da cultura carioca”:
— É uma farra que a Mangueira vai oferecer no carnaval. A mesma farra que os blocos fizeram, a mesma farra que continua sendo feita nas ruas.